O autor analisa o sistema socialista embasado, principalmente, nas análises projetadas ao sistema soviético, no entanto perpassa por vários outros socialismos, como o europeu, o asiático, o africano, o cubano, etc. Nesse sentido, em sua introdução, trata de linearizar as transformações sofridas pelo mundo socialista tanto política, econômica e socialmente no intuito de trazer luz às manobras que tiveram a sua dialética em construção a partir da II Guerra Mundial.
Pode-se considerar, com a expectativa de uma melhor didática, percebendo acima de tudo que a imagem linear da História a cada dia mais não se sobrepõe às análises localizadas no tempo e no espaço, sobretudo com o advento das análises culturais dos movimentos Históricos, a divisão simbólica de três blocos de transformações pelos quais perpassou o socialismo: O período que compreende os anos de 1945 até 1954 é caracterizado pelo socialismo soviético; O período que compreende os anos de 1954 a 1975 é caracterizado por crises e apogeus, donde se podem apontar eventos e movimentos que subsidiaram às mesmas como, por exemplo: às Guerras do Vietnã, as contradições internas, a realidade incontornável do ponto de vista das relações internacionais; No entanto várias análises do momento apontam, grosso modo, que o socialismo estava em ascensão e o capital declínio. E um terceiro momento, que compreende os anos de 1975 a 1985 onde se cristalizou, na historiografia, que seria o momento de maior desenvolvimento do sistema socialista, no entanto, as contradições se acentuaram ainda mais, de forma que seriam necessárias profundas reformas no sistema, e neste momento o “sistema que pretendia encarnar o futuro passou a ser obrigado a examinar suas contradições e impasses, a avaliar seu passado, os problemas acumulados, e a definir novos rumos” (FILHO p. 14).
A análise política da situação da URSS, após a II Guerra Mundial nos faz crer que estava impregnada de força, era reconhecida por amigos e inimigos apesar do sofrimento de arrasamento de terras, sobretudo pelo lado ocidental, arrasamento causado pelas batalhas com os nazistas. Os valores que emanavam da vitoriosa Grande Aliança, mais do que nunca, pairavam nos ares de todas as nações envolvidas na Guerra, de modo a impulsionar ou oferecer maiores ânimos e perspectivas às populações, instituições e governos arrasados, deste modo valores como democracia, liberdade e igualdade estavam em pauta, recorrentemente, sobretudo em função carnificinas promovidas justamente pela falta destes valores durante a II Guerra Mundial.
Apesar de todas estas expectativas, as manobras adotadas pela URSS não condiziriam com esta perspectiva analítica, de forma que:
“as circunstancias da Guerra Fria, abertamente irrompida a partir de 1946, modelaram o futuro de outra forma, fazendo retornar a atmosfera dos ritmos febris, da tensão e do medo, típicas dos planos quinquenais experimentados ao longo dos anos 30.” (FILHO
Apesar dos indicativos de falibilidade dos novos programas quinquenais voltados, acima de tudo, para os mercados da indústria de ferro, aço, armas e ferrovias e das políticas dos métodos habituais como a de emprego do Terror: coação e inibição, mobilização das campanhas de identificação; delação e derrubada dos chamados inimigos do povo; nem mesmo as campanhas positivas, emulação entre unidades de produção e distribuição de prêmios trariam a aurora neste momento de tentativa de recuperação da URSS.
Além de ter que lidar com um imenso território, já passível de certas regionalizações, o governa da URSS ainda enfrentaria especificidades colocadas em moldes únicos: as tradicionalíssimas políticas e costumes dos povos europeus seriam, ou teriam que ser, assimilados ao soviético. Isto significa dizer que de modo acelerado houve a unificação dos partidos socialistas e comunistas europeus. Para estes países europeus que estavam condicionados às tendências socialistas nasciam as democracias populares, que nunca foram democráticas, tampouco populares, condicionadas, desde o início, por uma aliança submissa com o poderoso vizinho.
No mesmo contexto os países socialistas da Ásia construíam seu socialismo de acordo com suas adaptações e ansiedades. Dentre tantas singularidades, em relação à União Soviética, podemos perceber um movimento muito forte de associações de camponeses armados, exército guerrilheiro popular e apesar das proposições da organização de governos de união nacional não se imaginaria, nem mesmo os soviéticos (apesar do discurso em prol da democracia entoado pela Grande Aliança), que os comunistas pudessem vencer eleições e se assenhorear do poder. Apesar de certa independência política dos países socialistas em relação à URSS, percebemos que progressivamente todos os movimentos eram orbitados pelo planeta soviético socialista, como centro político.
Há uma singularidade histórica para o contexto de centralização política soviética em relação aos demais países socialistas que justamente trata do contexto da movimentação política e social dos “comunistas Iugoslavos, e os vários povos que constituíam a Federação da Iugoslávia, [...] ,recusaram as ambições soviéticas e enfrentaram as campanhas de todos tipos feitas para desestabilizar seu governo. (FILHO p. 20) . Projeto este que se intitulou socialismo autogestionário, no entanto esta seria a exceção que confirmaria a regra. A expansão do socialismo era a única grande certeza mundial.
Em 1953, entretanto, o socialismo tem um abalo de referência muito grande. Com a morte de J. Stalin, e sua política sistemática que ficara conhecida como Stalinismo, apesar dos embates eram mais viris e agressivos no cunho político-ideológico, podemos perceber empregar-se uma política de maior coexistência pacífica.
Kruschev que subira ao poder consegue abalar mais ainda o sistema, apregoando duras críticas à J. Stalin, principalmente a política de divinização ou simbologia, detectada no governo soviético de J. Stalin. Apesar de não se abdicar do socialismo, admitia-se na URSS, reorientações capitais e aspectos como a visita do novo líder soviético aos EUA em 1959. Analisa-se também o surgimento de um policentrismo socialista em detrimento ao monolítico soviético socialista que imperava até então.
Já a política econômica se direcionou para o lado social, visando elevar os níveis de vida da população, o que gerou uma atmosfera ambígua onde pode-se detectar insegurança e dúvida e também confiança e euforia. A questão social de liberdade pode-se dizer que foi passível de maior liberdade. Percebe-se neste momento, também, frutos dos investimentos em tecnologia, como o SPUTNIK, que foi o primeiro satélite a orbitar a terra. Entretanto, é justamente neste momento que as contradições começam a se transparecer novamente. A questão da agricultura entranhada nas questões insolúveis para a manutenção do sistema, nunca conseguira se adaptar ou promover a atenção necessitada pelos governos soviéticos. Se soma, também, a questão da implantação dos mísseis soviéticos na Ilha de Cuba o que gerou enormes fissuras devido à política, sensata, de retroceder na questão de ameaça bélica aos EUA.
O criticado culto a personalidade entoado por Kruschev era detectável para ele mesmo, de forma a sensibilizar críticas severas em função da simbologia que se formava em torno dele, desembocando na sua queda em 1964, apontadas as questões de concentrações de poderes e subestimação do primado de direção coletiva socialista. O autor, entretanto, vislumbra vários aspectos positivos para o governo de Kruschev, dentre eles o voto sempre favorável em instancias internacionais pelos URSS, apoio bélico e diplomático em guerras e financiamento e apoio em implantação de faculdades e tecnologias nos países de seu bloco, ou que tinham tendência de ingresso na política socialista. Apesar da singularidade da conjuntura internacional e mesmo interna da URSS, existem várias discussões historiografias que apontam uma grande chance perdida rumo ao socialismo para o espaço de tempo que Kruschev liderou o bloco, no entanto como o próprio autor coloca o mesmo teria:
“limitações próprias de um homem politicamente formado nos anos 30 dentro da corrente dirigida por J.Stalin, o que se evidencia muito bem nas incongruências e na superficialidade [...] no fim, suas inúmeras iniciativas pareciam ter cansado às diversas correntes da sociedade.” (FILHO 2000, p. 25)
Com a queda de Kruschev e a instituição de um novo governo, que tinha como expressão máxima o secretário-geral L.Brejnev, solapou as iniciativas democratizantes do antigo governo em função da estabilidade, principalmente internacional. Mais uma vez, o discurso de alavancar a agricultura e outros aspectos da iniciativa Kruschev como o estímulo aos avanços qualitativos permaneciam. Este período ficara conhecido como socialismo desenvolvido, no entanto, “de outro ângulo, crítico, apareceu uma outra formulação: o socialismo realmente existente” (FILHO 2000, p. 26).
A desagregação do mundo imperialista que ocorria no contexto reforçou de forma única a expressão soviética, intelectual e política. Além de abastecer intelectualmente, com as ideias socialistas, a URSS apoiou de várias formas (belicamente, politicamente) as colônias que saiam do imperialismo apontando tendências socialistas. Entretanto, vemos que o país não conseguia alcançar metas nem estabilidade internas, de forma a não conseguir enfrentar a onda neoliberal que varreu o mundo, já nos anos 80, que emplacaria novos conceitos e concepções de Estado e Economia, bem como novas perspectivas às corridas armamentistas. A sonolência de todos os Estados que tinham gestão socialista, excluindo-se a China, que, obstante disto, não seguia os ditames internacionais da apostila socialista de Moscou, transpareceram uma necessidade de reformas da gigante URSS.
Referência:
REIS FILHO, Daniel Aarão. O Mundo Socialista: expansão e apogeu. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge & ZENHA, Celeste (Organizadores). O século XX. V.3: O tempo das dúvidas: Do declínio das utopias às globalizações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.11-33.